quinta-feira, janeiro 04, 2007

A Bissexualidade: Estágio ou Condição?

Acho que gosto de São Paulo e gosto de São João, gosto de São Francisco e São Sebastião, e eu gosto de meninos e meninas (Renato Russo – Meninos e Meninas)
João Roberto era o maioral, o nosso Johny era m cara legal, ele tinha um opala metálico azul, era rei dos pegas na Asa Sul, e em todo lugar, quando ele pegava no violão conquistava as meninas e quem mais quisesse ter (Renato Russo - Dezesseis)

O campo da sexualidade humana é terreno fértil para a construção e disseminação de mitos sexuais e de gênero, e um deles, de grandes proporções e não compreendido por muitos, é a bissexualidade, enquanto orientação do desejo afetivo-sexual (termo revisto de opção sexual).
A bissexualidade é uma orientação sexual, juntamente com a homossexualidade e a heterossexualidade, que se caracteriza pela excitação sexual do indivíduo por ambos os sexos, são assim duas formas de sentir prazer.
Cazuza, que conseguiu ser o expoente máximo da tríade sexo, drogas e rock in roll, é talvez o artista bissexual mais famoso, o que nem assim conseguiu a bissexualidade na sua essência. Ano passado a famosa cantora Ana Carolina apareceu na capa da Revista Veja, cujo título era “Sou Bi, e daí?”. Na reportagem aparece dizendo que acha normal uma pessoa gostar dos dois sexos, e segundo a reportagem, representa uma nova geração que não esconde as preferencias sexuais, mas que não toma a sexualidade como bandeira de luta política.
João é um adolescente de 18 anos, sempre foi visto pela família, pelos amigos e professores como um rebelde. É caracterizado como uma pessoa sem papas na língua, que fala o que vem a mente. E embora tivesse namorada, arranjava também namorados ou ficantes. Seus pais souberam e pensam que com o tempo e maturidade ele “escolheria” um dos lados, de preferencia o hétero.
Valéria é uma professora universitária de 36 anos, casada, que embora se sinta atraída por pessoas do sexo oposto, sempre sentiu desejo por mulheres. Teve casos esporádicos com outras mulheres, mas com a solidão que tem afetado sua vida de casada, a chamada solidão a dois, resolveu entrar em sala de bate papo pela internet e conheceu Camila. Hoje mantém um caso com Camila, e vive a chamada vida dupla, pois tem medo do preconceito, que a xinguem de sapatão, entre outros.
O título acima, para além do questionamento natural, se deve ao fato de que muitos insistem em ver a bissexualidade como um estágio ou fase na vida da pessoa, que ainda estão confusas em suas preferencias sexuais, e que num futuro terão mais clareza sobre o desejo por homens ou mulheres.
Esse grupo geralmente adota uma visão extremista da sexualidade humana, dicotomizando a sociedade em pessoas que são homo e heterossexuais. E não colocam assim um elo de ligação, ou seja, os bissexuais, as pessoas que são excitáveis por ambos os sexos.
Por isso a bissexualidade é neste sentido a orientação sexual que mais causa polêmica. Daí a pré-noção de que o bissexual é uma pessoal mal resolvida, em cima do muro ou promiscua.
A AIDS surgiu na década de 80. O discurso dos conservadores afirmava que a doença era uma resposta ao comportamento promiscuo e vida errante dos homossexuais, daí na sua gênese ser chama de “câncer gay”. Então, como explicar que depois de um certo tempo, os casados, geralmente defensores da moral e dos bons costumes, estivessem contaminados? É claro que , excluindo-se as transfusões de sangue contaminado e o contágio através de profissionais do sexo, , a vida dupla de homossexuais e também bissexuais era a resposta, através da falta de prevenção, ou seja, camisinha. Aí está , por conseguinte, o cerne do preconceito contra bissexuais: eram acusados de gays enrustidos e de que estariam contribuindo com a disseminação da AIDS dentro do casamento.
Acerca da hipotese da fase bissexual, a bissexualidade tem uma certa invisibilidade social. Ninguém xinga outra pessoa de bissexual, preferem os termos bicha louca, veado, gayzinho, entre outros. A própria entidade que defende a diversidade sexual em nível nacional , a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgeneros) não contempla a bissexualidade em sua própria sigla.
Muitas pessoas terminariam um relacionamento se descobrissem que seu parceir@ é bissexual. O motivo? Ciúme e medo de uma dita traição, pois quando se é homo ou heterossexual sabe-se de qual sexo ter ciúme, mas para o bissexual ambos os sexo servem e o parceiro não sabe de quem enciumar-se.
Existe também uma tendência de pessoas que acredita que o bissexual existe, mas não pensa em se relacionar com ele porque este estaria no ápice de uma hierarquia de promiscuidade, conforme já colocado anteriormente. Argumentam que a pessoa de fato gosta dos dois sexos, que o homem pode Ter uma linda mulher, que o satisfaça plenamente, mas sente desejos por homens também, e a qualquer hora pode traí-la.
Uma crença errônea é de que o bissexual sente desejo por ambos os sexos na mesma intensidade. Falácia. Existe uma inclinação maior para um dos sexos, variando de pessoa para pessoa. . Ocorre com mais freqüência o bissexual sentir uma maior atração afetivo-sexual por um determinado sexo, o que não exclui o outro sexo, daí a bissexualidade.
Dentro desta prerrogativa poderemos voltar a discussão do armário. Pelo fato do bissexual sentir em maior intensidade desejo por um dos sexos , quando este caso for pelo sexo oposto vamos observar a existência da vida dupla. Ai se assume perante a sociedade uma postura heterossexual com escapas esporádicas devido a pressão social.
Quanto aos que nesta lógica sentem desejos viverão uma grande inquietação pelos sentimentos, ficarão pela força da crise psicológica interrogando-se freqüentemente sobre sua sexualidade.
Todavia o bissexual ao ficar com uma pessoa do sexo oposto não o faz por aparências, para tentar demonstrar ser hétero, e sim por prazer. Isso é um fato, e muitos infelizmente não a compreendem. Isto faz com que o bissexual possa ficar mais tempo dentro do seu armário, por assim dizer. Este fato por si só faz com que tenhamos inúmeros bissexuais no armário
Alfred Kinsey, sexologo norte-americano, realizou pesquisas sobre sexualidade humana e chegou a conclusão de que a orientação sexual é como um espectro. Nos extremos temos os que são exclusivamente homo ou heterossexuais , os que são predominantemente homo ou heterossexuais e os que são bissexuais, no meio, mas com uma boa representatividade.
Os heterossexuais, mesmo que neguem por uma questão de machismo ridículo, em algum momento da vida já sentiram atração ou desejo homo. Daí o caso de um cara hétero no vestiário da academia olhar de rabo de olho pro pênis do cara ao lado, e não se trata de medir apenas pra ver se o seu é maior ou menor, é um desejo que ele não sabe explicar nem administrar, mas que não vai adiante pelo medo, paradoxalmente, de ser taxado de gay. Também quase todo gay já sentiu desejos héteros pela melhor amiga. É desnecessário dizer que estas situações são mais comuns do que pensamos e as vezes tentamos negar.
Mesmo sem nenhuma base cientifica tenho a convicção de que o desejo afetivo-sexual depende do momento e do nível de excitação entre as partes envolvidas, assim a ocasião faz o ladrão. E assim haveria uma transcendência do termo orientação sexual.
Na música Dezesseis , Renato Russo sugere que Johny era bissexual, pois ao tocar o violão ele conquistava as meninas e quem mais quisesse Ter, ou seja, meninos. Assim, de forma implícita , é a forma como a bissexualidade é vivida pela maioria das pessoas. Desde a mais tenra idade o bissexual aprende que deve apresentar as namoradas e esconder os namorados. Isso é bem claro nesta díade explicito (conquistava as meninas) e implícito (e que mais quisesse ter), e este outro armário contribui para reforçar estereótipos quanto a bissexualidade.
Meu desejo é que tenhamos a faculdade de reconhecer que a bissexualidade não é uma fase ou imaturidade sexual. Quando chegarmos a esta consciência chegará um tempo em que haverá transito das pessoas com maior tranqüilidade entre os dois sexos. As pessoas irão mostrar-se capaz de amar e de se envolver emocionalmente com os parceiros, sejam homens ou mulheres, independente dos padrões morais da sociedade.